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Atualizado: 16 de jul.

Minha crônica "Conversa de família" foi destaque na antologia +Humor, lançada pelo Selo Off Flip em 2023.


Capa da edição
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Conversa de família


Já faz tempo que minha mãe e meu pai se separaram, mas isso nunca os impediu de continuarem amigos. Na verdade, a amizade entre os dois até se tornou mais leve, mais aparente, após a separação. Numa noite, por exemplo, depois de trabalhar o dia todo, ele, do alto de seus cinquenta anos, chegou indignado em casa comentando com a minha mãe:


– Pô, caraca! Aquela mulher me mandou mensagem perguntando o que eu estava fazendo online no zap de madrugada. É mole? Fuçando minha vida a essa hora.

– E quando é que tu vai dar uns pega nessa mulher? Ela tá te querendo.


– Que dar pega o quê! Vou dar pega nada!


– Deixa de ser frouxo! 


– Frouxo... eu, hein. Que coisa esquisita, tirar print da tela pra dizer que viu o “online”...


Ele acha um absurdo a modernidade do stalker, esse negócio de ver o que o outro faz por meio de redes sociais. Talvez nem saiba o significado de stalkear. Não entende que, quando a gente tá a fim de alguém, pode acabar mandando uma mensagem de madrugada, mesmo que na maioria das vezes isso esteja condicionado a uma total falta de assunto.


Poucos dias depois do ocorrido, fomos os três comer num trailer da nossa rua, onde costumávamos pedir um x-tudo acompanhado de batata frita. Na mesa, voltamos ao assunto, e meu pai – meio sem graça, rindo da situação – continuou sem acreditar que uma pessoa se prestava ao papel de bisbilhotar a vida da outra no whatsapp, ainda mais de madrugada. Eu havia acabado de mencionar o nome da tal moça, quando minha mãe me interrompeu, direcionando a pergunta ao meu pai:


– Tu não vai comer?


Interferi na mesma hora, num misto de constrangimento e espanto: 


– Mãe!


– Que é, garota? A batata! Perguntei se ele não ia mais comer a batata frita...


– Ahhh, bem. 


Gargalhamos.

 
  • 17 de abr.

Atualizado: 16 de jul.

Capa da edição
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Em 2022, meu conto "Voo", reproduzido abaixo, foi publicado na coletânea Prêmio Off Flip 2022, lançada na Festa Literária Internacional de Paraty, no dia 25 de novembro.


Me esquivei do primeiro carro com o sinal ainda aberto, na porta do sacolão um moço anunciava o preço das frutas, duas mulheres com sacolas na mão me olharam e eu vi a testa delas franzida; sinal vermelho, continuei correndo mas agora sentindo um pouco mais de segurança, lá em casa ninguém sabia onde eu tava, se meu pai me vê descalço aqui começa a encher o saco, minha mãe com certeza ia dizer que o que falta pra mim é reza; é claro que eu senti medo, mas a adrenalina era muita e não tinha como eu ficar parado com os moleques mais novos na rua lá de cima, duvido que meu pai na minha idade não correu assim também, e minha mãe falava muito mas eu sei que no fundo ela sabia que não tinha mais jeito; era a primeira vez que eu fazia isso, me metendo no meio dos outros desesperado, mas vai dizer que daria pra ser diferente, não dá, o único jeito é deixar o chinelo na calçada e correr, torcendo pra não trombar com gente mal intencionada, com a polícia que me pararia, nem com senhorinhas que se desesperam quando eu passo perto; era a minha primeira corrida no sinal e na calçada e nos becos, sem olhar pra trás, sem achar que eu tava errado, driblando os pés de quem andava na calçada, me esquivando de fios pendurados no poste, movendo o corpo com cuidado pra não esbarrar em ninguém, rezando pra não dar de cara com meu pai também, se bem que a essa hora ele com certeza cortava madeira no fundo da casa; eu não sei como conseguia correr tão rápido, olhando sempre tudo passar voado do meu lado, árvore, carrinho de bebê, moto, mesa de bar, cadeira de bicheiro, banca de jornal, garrafa de cerveja, lixo encostado no muro, orelhão, tudo passava batido, eu vendo só as cores, nem reparava as pessoas me olhando, me julgando, com medo, apontando pra mim, querendo saber o que acontecia; acho que isso tudo durou uns quatro minutos, mas parecia uma hora de pés descalços no asfalto quente, o sol todo em mim, nem sei como eu chegaria depois em casa, suado, fedendo, o pé com a sujeira encruada, mas na verdade eu nem pensava nisso na hora, só corria como quem fugia de alguém muito perigoso ou de algo que amedrontava; dobrei a esquina na esperança de não ter corrido em vão, olhei pra trás, uns dois caras vinham correndo na mesma direção, fiquei cismado e sei lá como consegui mais disposição, vi que tava perto, muito longe dali não dava pra ser; quando virei na praça, dei de cara com ela quase caindo no chão: era a primeira pipa voada que eu pegava na rua.




 
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© Todos os textos são de autoria de Thaís Velloso, exceto quando indicado. 

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